Ateac entrevista Marisa Solano
Por Fabiana Parajara
Há mais de 40 anos se conhece, fora do Brasil, que animais também podem ajudar, e muito, o processo de aprendizagem. No Brasil, a Educação Assistida por Animais (EAA) começou mais recentemente, em 2000, e uma das pioneiras foi Marisa Solano. Em entrevista para a Ateac, Marisa conta um pouco mais sobre a técnica e os benefícios que ela oferece.
Quais animais podem ser usados na Educação Assistida? No caso dos cães, alguma raças é mais adequada ao trabalho?
-
- Tina durante atendimento / Fotografia – Jéssica Ferrari
Todos os animais podem ser utilizados para incentivar e motivar o processo educacional, mas o cão responde melhor por suas próprias características. Gosto muito de trabalhar com cães Labrador e Golden Retriever. Mas qualquer raça e mesmo os vira-latas são bem-vindos. O importante é ser um cão extremamente dócil e permissível, com boa índole, comportamento adequado, saudável, e que tenha vontade de se entregar ao ser humano, de criar vínculos, e que trabalhe com alegria e satisfação.
Hoje, no Brasil, quais entidades são referências em EAA?
No Brasil, ainda não temos a EAA verdadeiramente. Para que isso ocorra, as escolas precisam de profissionais da educação (pedagogos,professores e auxiliares) comprometidos, que gostem de trabalhar com cães, entendam e utilizem o cão como mais um recurso pedagógico, motivador e incentivador, de forma que os conceitos possam ser abordados e fixados de uma forma lúdica e prazerosa. A interação com o animal atinge de imediato o desenvolvimento afetivo-emocional com resultados rápidos, desbloqueando muitas dificuldades de aprendizagem e problemas familiares. Cada aula torna-se uma descoberta, em que a professora aproveita o interesse da criança pelo animal para ajudá-la a construir seu próprio conhecimento.
No caso de portadores de necessidades especiais, quais são as principais vantagens no uso de EAA?
O aproveitamento varia de acordo com as necessidades de cada criança. No caso dos autistas, por exemplo, que têm dificuldade em expressar seus sentimentos, o contato com um cão ajuda a equilibrar a parte emocional e a fazer um elo com a realidade. Ao abraçar um cachorro, essa criança aprende a criar elos e pode transferir esse aprendizado para o ser humano.
A criança comprometida fisicamente tem que fazer exercícios com a fisioterapeuta e sentem dor. Ao brincar com o cão, a sua atenção está na brincadeira e exercício ocorre com alegria, às vezes sem perceber ela passa pelo tratamento, que precisa ter objetivos pré-definidos claros.
No caso dos adultos, o animal ajuda a quebrar barreiras, humaniza o ambiente, trabalhando o lúdico e facilitando a aprendizagem.
Em casa, como os pais podem usar a presença de um animal do estímulo do aprendizado?
Em casa, o cão já faz parte da família é o amigo e companheiro da criança. Pode-se ler para o cachorro, incentivando a leitura e escrita do filho, criando o hábito da leitura. Brincadeiras que envolvam o conteúdo desenvolvido na escola também são interessantes. O mais produtivo é a brincadeira com os pais e com a participação do animal, porque brincar é fundamental para o desenvolvimento da criança.
Como os pedagogos encaram a EAA: ainda á preconceito, desconhecimento ou ela é amplamente aceita? Quais são os principais obstáculos que a EAA ainda encontra no país?
Pedagogos, professores e profissionais da educação ainda desconhecem os benefícios da Educação Assistida por Animais.
O que poderia ser feito para ampliar o conhecimento e o uso da EAA?
É preciso mais divulgação, cursos e simpósios onde possamos multiplicar nossas experiências.
Como e por que você, pessoalmente, se envolveu com EAA?
Fui fundadora e mantenedora da Escola Toquinho de Gente por 34 anos, de 1971 a 2004, na Vila Madalena, na cidade de São Paulo. Em 2000, realizei uma excursão ao um sítio em São Roque para que meus alunos conhecessem as atividades do campo e fizessem comparações com a vida deles na cidade. Chegamos no espaço, onde hoje funciona o Centro de Treinamento de Cães Assistentes, e assistimos uma demonstração de cães adestrados por Antonio Marcos de Lima. No grupo de alunos, tínhamos um menino de 6 anos, com síndrome de down, que fazia ecoterapia no Parque da Água Branca, também em São Paulo.
Admirado com cães, o menino correu e subiu na cadela Nagoya, uma Rottweiller. Fiquei apreensiva, mas fui acalmada pelo Antonio, que disse que Nagoya estava adorando a brincadeira. Formou-se um vínculo maravilhoso: natureza/animal- criança/educação. Vi que o benefício foi imenso para o menino. Nem ele nem seus colegas queriam mais sair daquele espaço. Isso despertou meu interesse e comecei a levar os cães uma vez por semana à escola. As pesquisas com os alunos, com idade entre 7 meses e 6 anos, não pararam mais. Antonio prepara o cão e eu desenvolvo as atividades com o foco na criança e sua aprendizagem. Juntos, aplicamos as atividades.
-
- Marisa Solano durante trabalho com sua golden retriever Tina / Fotografia – Jéssica Ferrari
Qual foi o episódio mais emocionante que você vivenciou nessa trajetória?
Foram muitos, mas não esqueço a primeira palavra dita por um aluno da Escola Refazenda, em São Roque. Com 4 anos, ele participava da EAA fazendo também exercícios de fonoterapia e imitando a língua da Nagoya. Escutamos a sua voz, pela primeira vez, pronunciando a palavra cão. Foi o início do seu desbloqueio e do seu desenvolvimento verbal.
Teve um outro caso, de uma menina, que gritava e chorava de dor para abrir as mãos durante a fisioterapia. No entanto, ela sorria e até gargalhava, quando jogava bolinhas para o Timão, um Labrador. Enquanto isso, os outros alunos pegavan as bolinhas e agrupavam de dez em dez. Ou seja uns formavam dezenas concretas, e a menina ainda abria e fechava as mãos sem perceber, muitas vezes.
Houve ainda um aluno que revelou presenciar violência doméstica, durante uma atividade em aula. O cachorro co-educador latiu e começamos a perguntar quem tinha cachorro em casa e explicar como os cães se comunicam pelo latido. Fomos escutando todos contar suas experiências, até que um deles falou que o cachorro dele incomodava muito porque o pai chegava em casa bêbado, batia na mãe. O menino contou que o cachorro latia nessa hora, e que ele ia pro quarto e só saía de lá quando o cachorro parava de latir. A criança não falou mal do pai ou da mãe, falou do cão e isso deu coragem para expor seu problema – um problema que causava dificuldade de aprendizagem e baixo rendimento escolar. São tantos episódios que daria um livro.
One Response to Ateac entrevista Marisa Solano
Deixe uma resposta Cancelar resposta
Bem vindo ao blog da ATEAC!
“Alguns anjos não possuem asas, possuem quatro patas, um corpo peludo, nariz de bolinha, orelhas de atenção, olhar de aflição e carência.
Apesar dessa aparência, são tão anjos quanto os outros (aqueles com asas).
E se dedicam aos seus humanos tanto quanto qualquer anjo costuma dedicar-se. Que bom seria se todos os humanos pudessem ver a humanidade perfeita de um cão!”
Últimos Posts
- Convocação – Assembleia Geral Extraordinária (09/12/2018)
Aos voluntários da ONG Ateac, No dia 9 de dezembro,...
- O desenvolvimento infantil e os cães
A presença de um cachorro em casa pode ser muito proveitosa...
- Convocação para Eleições
Aos voluntários da ONG Ateac, No dia 22 de março,...
Posts mais acessados
- Dez Razões para Adultos buscarem seu diagnóstico de síndrome de Asperger.
Como explica o Grupo Asperger Brasil em sua fan page:...
- Tipos de Autismo
Desde que o autismo é um espectro, que engloba uma...
- A Síndrome de Asperger no contexto da inclusão social
Monografia apresentada como exigência do curso de...
Olá boa noite. eu me chamo Elson, sou estudante de veterinária da UFRB, Bahia, e estarei apresentando um seminário sobre, Educação Assistida por Animais e Gostaria muito que você me ajudasse. pode ser em entrevista, testemunho alguma coisa desse tipo. Atenciosamente Elson Luiz Silva de Matos